Se não existir certeza de que todos os contratos habitacionais firmados pela Caixa Econômica Federal com seus mutuários estão viciados pela prática da ‘‘venda casada’’, não há como acolher o pedido de nulidade dos negócios jurídicos dentro de uma Ação Civil Pública. Logo, só se poderia cogitar do pagamento de indenização após o ajuizamento de demandas individualizadas, face à singularidade da relação jurídica contratual.
O entendimento levou a 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região a negar Apelação do Ministério Público Federal e a manter sentença proferida pela Vara Federal de Bento Gonçalves, que mandou a Caixa se abster de condicionar a concessão de financiamento da casa própria à aceitação de outros serviços financeiros.
O acórdão destaca que, embora o reconhecimento da ilegalidade da ‘‘venda casada’’ no caso presente, não há irregularidade em todas as contratações. Em algumas hipóteses, a aquisição de produtos e serviços conexos ao mútuo habitacional acaba por favorecer o próprio mutuário, que recebe vantagens na quitação do crédito adquirido.
O precedente do colegiado é da lavra do próprio relator do recurso, desembargador federal Fernando Quadros da Silva, nos autos da Apelação Cível 5024388-21.2010.404.7100, em julgamento realizado no dia 21 de março de 2013. Naquele caso, como registra a ementa, ‘‘os mutuários não só tinham ciência inequívoca do que estavam contratando, como também buscavam obter vantagens de tal contratação através da redução substancial da taxa de juros contratada inicialmente’’.
Por fim, o desembargador-relator negou o pedido do MPF para que a Caixa fosse compelida a publicar o inteiro teor da sentença condenatória nos órgãos de imprensa. Isso porque o juízo de origem já havia determinado a afixação de cartazes junto à agências da empresa, ‘‘o que, a bem da verdade, atinge à finalidade de proteção a direitos individuais homogêneos, nos moldes objetivados pelo autor [MPF]’’. O acórdão foi lavrado na sessão do dia 8 de maio.
O caso
O Ministério Público Federal, por meio da Procuradoria Regional da República da 4ª Região, ajuizou Ação Civil Pública, pedindo indenização para clientes que tiveram de adquirir outros produtos/serviços no momento de contratar financiamentos junto à Caixa Econômica Federal — a chamada “venda casada” — nos últimos cinco anos.
Conforme parecer do procurador regional da República Roberto Thomé, a Caixa vinha condicionando a liberação de financiamentos, especialmente a linha habitacional, à aquisição de outros produtos financeiros, sejam eles obrigatórios (seguros) ou não (abertura de conta, poupança, planos de capitalização etc). O procurador da República em Bento Gonçalves, Alexandre Schneider, disse que a queixa era recorrente entre os mutuários da região.
A ‘‘venda casada’’ é uma prática comercial vedada pelo artigo 39, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor. Ela retira do consumidor a possibilidade de escolher livremente os produtos e serviços que lhes são oferecidos, além de não fornecer as informações necessárias que o fariam decidir pela compra.
O entendimento também é compartilhado pela Súmula 473 do Superior Tribunal de Justiça, que diz: "O mutuário do SFH não pode ser compelido a contratar o seguro habitacional obrigatório com a instituição financeira mutuante ou com a seguradora por ela indicada".
Com base nas provas colhidas no Inquérito Civil aberto pelo MPF e naquelas produzidas em juízo, a Vara Federal de Bento Gonçalves entendeu que houve flagrante condicionamento da liberação do financiamento à compra de demais produtos do banco, e não simplesmente uma ‘‘sinalização’’ no sentido de que a liberação do financiamento seria mais fácil. Só não reconheceu a nulidade desses contratos, firmados nos últimos cinco anos e, por consequência, negou indenização aos lesados.
Assim, o juiz federal substituto Marcos Eduarte Reolon condenou a Caixa a se abster da prática abusiva, sob pena de pagar multa de R$ 10 mil para cada caso apurado descumprimento da medida judicial. O magistrado também determinou a afixação de cartazes nas sedes da instituição, para informar ao público acerca da desnecessidade de aquisição de outros produtos para liberação de empréstimo.
Fonte: Conjur
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