sexta-feira, 17 de maio de 2013

RECEITA FEDERAL TRATA SIGILO COMO REGRA E TRANSPARÊNCIA COMO EXCEÇÃO, AFIRMA PESQUISADORA

O servidor da Receita Federal que divulgar informações que violem o que o órgão considere sigiloso está sujeito a ser demitido. A pena está descrita na Portaria 2.344/2011 da Receita Federal, que descreve o que é considerado sigilo fiscal, e, segundo pesquisadores do assunto, representa um grande obstáculo à transparência das atividades da Receita.

As impressões foram apresentadas na manhã desta quinta-feira (16/5) pela advogada Mariana Pimentel Fischer Pacheco, pesquisadora do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF), da Faculdade de Direito da Fundação Getulio Vargas. Ela falou sobre o primeiro ano de vigência da Lei de Acesso à Informação e sua aplicação na administração fiscal federal.

Mariana Pimentel explicou que a Lei de Acesso trouxe ao país a mentalidade da transparência, mudando o paradigma do sigilo que sempre norteou o governo brasileiro. Nesse sentido, a transparência virou regra e o sigilo, exceção. Por isso, ela considera que a Portaria 2.344 está de acordo com o pensamento da publicidade dos atos oficiais, já que delimita o que é sigilo fiscal e, consequentemente, considera que o resto deve estar disponível aos cidadãos.

Só que a regra administrativa vai além do que a pesquisadora considera razoável. O artigo 2º da portaria diz que “são protegidas por sigilo fiscal as informações sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades, obtidas em razão do ofício para fins de arrecadação e fiscalização de tributos, inclusive aduaneiros”.

Os incisos do artigo exemplifica que são informações protegidas por sigilo fiscal “as relativas a rendas, rendimentos, patrimônio, débitos, as que relevem projetos, relacionamento comercial entre comprador e fornecedor etc. E aí o parágrafo 1º do artigo 2º delimita que “não estão protegidas por sigilo fiscal” dados cadastrais que não permitam a identificação individual dos contribuintes e nem valores de créditos e débitos.

Em suma, a pesquisa do NEF-GV demonstra que a portaria tenta delimitar o que é sigilo, mas elenca praticamente todas as informações referentes à competência da Receita, transformando o sigilo fiscal em regra. As informações que não se submetem ao regime de sigilo — e são abertas, portanto — estão previstas em apenas no 1º parágrafo, do artigo 2º da resolução.

Sigilo do sigilo

Outro obstáculo preocupante à aplicação da Lei de Acesso à Informação é o Manual do Sigilo Fiscal. O documento, criado por meio da Portaria da Receita 3.541/2011, é uma cartilha de orientação de como os servidores da Receita devem proceder diante de informações sigilosas.

O que chama atenção é o fato de o próprio manual ser sigiloso. Essa é a primeira providência da portaria que o criou, conforme diz o artigo 2º: “O manual estará disponível na intranet da RFB”. Basicamente, as regras internas sobre o sigilo fiscal são sigilosas. E o funcionário que as divulgar está sujeito à demissão.

O manual repete as orientações da Portaria 2.344 e tenta delimitar o sigilo fiscal para explicá-lo aos funcionários. Mas já no item seguinte, o índice fala em “exceções à regra do sigilo fiscal”.

“Tem-se, portanto, que sigilo fiscal é o dever, a obrigação imposta à Fazenda Pública e a seus servidores de não divulgar informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo, ou de terceiros, e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades", diz o manual.

O documento prossegue: "os dados e informações de pessoas físicas e jurídicas prestados às administrações tributárias, ou obtidos pelo Fisco por qualquer outro meio ou forma, devem servir de ingrediente para o exercício das atividades e competências legais do órgão, sendo vedada qualquer iniciativa que facilite a divulgação das informações fiscais.” 

Mudança cultural

Procuradora da Fazenda Nacional, Denise Lucena Cavalcante só comentou a exposição de Mariana Pimentel na condição de professora de Direito, e não como procuradora — isso para se isentar da obrigação de ter de defender a administração pública federal ou o Ministério da Fazenda.

Ela afirma que “a regra interna é que não pode passar informações aleatórias”, e essa orientação tornou o sigilo fiscal numa “neurose estatal”. “O servidor trabalha com medo de divulgar qualquer coisa, porque sempre pode acabar violando o sigilo fiscal”, comentou. Ela analisa que o artigo 198 do Código Tributário Nacional, que define o sigilo fiscal e que ela considera inconstitucional é a origem de todo esse sentimento.

Em sua exposição, Denise trouxe uma ideia aplaudida por todos: a mudança nas portarias e regras administrativas internas tem um potencial de mudança cultural do servidor muito maior do que as reformas legislativas ou constitucionais. Prova disso é o parágrafo único do artigo 3º do Manual do Sigilo: “São inaplicáveis, no âmbito da RFB, eventuais interpretações que sejam contrárias ou incompatíveis com as do Manual”.

Tratamento diferenciado

Quem quiser usar a Lei de Acesso à Informação para conseguir dados do Ministério da Fazenda deve se aliar a uma instituição de respeito. A constatação é dos pesquisadores Daniel Zugman e Frederico Bastos, no Núcelo de Estudos Fiscais (NEF), da Faculdade de Direito da Fundação Getulio Vargas.

Em trabalhado apresentado nesta quinta-feira (16/5), eles mostraram que as 11 perguntas feitas à Fazenda em seus nomes foram respondidas em uma linha ou duas, e todas fora do prazo. Já as 36 consultas feitas em nome do NEF foram respondidas dentro do prazo e devidamente fundamentadas (clique aqui para ver a apresentação).

Zugman e Bastos direcionaram suas perguntas ao Ministério da Fazenda para compor o ciclo de debates sobre a Lei de Acesso à Informação e a administração fiscal no Brasil. Eles procuraram saber informações da Receita Federal, do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

A conclusão do trabalho dos dois pesquisadores da GV é que há uma clara “falta de isonomia no tratamento dos solicitantes”. Outra constatação do estudo é que falta empenho aos funcionários da administração fiscal federal e que “a cultura do segredo não foi superada na área fiscal”.

Tratamentos distintos
As perguntas feitas de forma individual geraram respostas dignas de um romance kafkiano. Perguntaram, por exemplo, “quantos novos processos foram iniciados no Carf em 2012? Quantos foram encerrados?” Ouviram que “nenhum processo administrativo fiscal é iniciado no Carf”. Já que o Carf é uma instância recursal, os processos começam na contestação dos autos de infração.

Também quiseram saber “qual é a matéria mais discutida nesses processos”. A Fazenda respondeu que “as matérias discutidas são as previstas no Ricarf [Regimento Interno do Carf]”. Ao tentarem saber “quanto tempo em média um processo demora para ser julgado no Carf (desde sua entrada até o encerramento?”, os pesquisadores tiveram como resposta: "Depende, porque existem as prioridades legais e regimental [sic]. Na média, depende."

Já quando a pergunta é feita em nome do NEF/GFV, as respostas não são tão vagas. É o exemplo da consulta que diz: “Em nome do Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getúlio Vargas (NEF/FGV) gostaria, em face da Lei 12.257/2011 (Lei de Acesso à Informação), requisitar acesso às consultas tributárias dos contribuintes formuladas à Secretaria da Receita Federal do Brasil e suas respectivas respostas”.

A resposta da Receita, ainda que negativa, veio e cinco páginas, em laudas oficiais, com o logotipo da Secretaria da Receita Federal do Brasil. No documento enviado aos pesquisadores, a Receita deixa claro que as informações pedidas são sigilosas e não podem ser fornecidas. Mas, “quando a RFB se depara com um pedido como o presente, ela deve analisar duas regras: a Lei de Acesso à Informação e o Código Tributário Nacional”.

E a mesma dedicação é vista em outra consulta, sobre os julgamentos de primeiro grau de contestações de autos de infração. A Receita indeferiu o pedido de informações, mas preencheu 18 páginas com as justificativas.

Fonte: Conjur

Nenhum comentário:

Postar um comentário