terça-feira, 9 de julho de 2013

MESMO SEM CITAR NOME, JORNALISTA É CONDENADO POR INJÚRIA CONTRA DESEMBARGADOR

Ainda que um texto não faça referência nominal a uma pessoa, o contexto em que foi escrito e as provas testemunhais são suficientes para que a injúria seja caracterizada. Com este entendimento, o jornalista José Cristian Góes foi condenado a 7 meses e 16 dias de prisão por injúria contra o desembargador Edson Ulisses de Melo, vice-presidente do Tribunal de Justiça de Sergipe. A pena, entretanto, foi convertida em serviço à comunidade. Góes deverá prestar serviço de uma hora por dia em entidade assistencial pelo período da detenção.

A sentença foi proferida no último dia 4 de julho pelo juiz substituto Luiz Eduardo Araújo Portela. De acordo ele, pela análise contextual de todos os depoimentos e das provas recolhidas, há prova suficiente de que o acusado ofendeu à honra subjetiva da vítima. “Mesmo que não haja referência expressa aos nomes dos personagens, dentro do contexto social e do âmbito de atuação das partes, sobretudo na comunidade jurídica, é perfeitamente claro o direcionamento do texto à vítima”, explicou Portela.

No caso, o desembargador decidiu processar o jornalista pela publicação do texto “Eu, o coronel em mim”, no site Infonet, em que Cristian Góes mantém uma coluna com textos relacionados à política e outros de ficção. No texto, o jornalista faz uma crônica sobre o coronelismo. O texto é escrito em primeira pessoa e em nenhum momento cita nomes.

Porém, Edson Ulisses alegou que se sentiu ofendido com o trecho: “Ô povo ignorante! Dia desses fui contrariado porque alguns fizeram greve e invadiram uma parte da cozinha de uma das Casas Grande. Dizem que greve faz parte da democracia e eu teria que aceitar. Aceitar coisa nenhuma. Chamei um jagunço das leis, não por coincidência marido de minha irmã, e dei um pé na bunda desse povo”.

De acordo com o desembargador, o texto é uma crítica ao atual governador de Sergipe, Marcelo Déda (PT), do qual ele é cunhado. Edson Ulisses ingressou então com duas ações judiciais: uma criminal e uma cível. Em uma audiência durante o processo criminal, o desembargador afirmou que “todo mundo sabe que ele escreveu contra o governador e contra mim. Não tem nomes e nem precisa, mas todo mundo sabe que o texto ataca Déda e a mim”.

A defesa do jornalista, feita pelo advogado Rodrigo Machado, alegou que o texto tido como injurioso é uma narrativa, obra ficcional em primeira pessoa, que não tem compromisso com a realidade. O advogado alegou que o texto se passa num período muito próximo à abolição da escravidão, já que o coronel ainda possuía escravos.

Além disso, argumenta Rodrigo Machado, diante da estrutura judiciária apresentada fica difícil dizer quem foi o “jagunço das leis” chamado pelo coronel. “Poderia ser um juiz de paz, um juiz municipal, um juiz federal, um juiz de direito. Dificilmente seria um desembargador, por exemplo, graças à municipalidade do fenômeno coronelista”.

Para a defesa de Cristian Góes, os argumentos demonstram que o texto não era uma crítica ao governador de Sergipe. “Era, apenas, um texto ficcional, com referências a situações e aspectos da época em que imperou o coronelismo no país. Sequer determinou-se em qual município o coronel residia ou se ficava aqui no estado. O certo, mesmo, é que o texto não se refere a Sergipe, de forma alguma”, complementa.

Porém, para o juiz Luiz Eduardo Portela a intenção de ofender está implícita no texto. “Da leitura da narrativa ‘Eu, o coronel em mim’, é possível que se faça a associação entre o governador do estado de Sergipe e seu cunhado, o desembargador Edson Ulisses, tendo este sido tratado como ‘jagunço das leis’”, afirmou em sua decisão. O juiz explicou ainda que as testemunhas disseram terem feito a imediata associação entre o “jagunço das leis” e o desembargador Edson Ulisses.

Ao analisar a alegação da defesa de Cristiano, de que as testemunhas fizeram um esforço interpretativo, o juiz citou uma testemunha trazida pelo próprio jornalista. A testemunha disse que somente as pessoas que estão diretamente ligadas ao contexto conseguiriam fazer a associação. “Assim, a contrário senso, pode-se inferir que a comunidade jurídica, meio frequentado pela vítima, é perfeitamente capaz de fazer a associação entre os personagens, o que efetivamente aconteceu”, complementou.

O juiz destacou ainda que o texto foi escrito após uma greve de professores, ocasião em que estes ocuparam um prédio público e a ordem de desocupação foi exarada pelo desembargador Edson Ulisses. “Neste diapasão, a crítica foi escrita colocando em dúvida a credibilidade da decisão proferida pelo magistrado, que é cunhado do governador”.

“Logo, não é preciso nem muito esforço interpretativo para chegar-se à conclusão de que os personagens equivalem ao governador do estado e seu cunhado desembargador”, completa.

Liberdade de imprensa

O juiz Luiz Eduardo Araújo Portela concluiu que o texto do jornalista Cristian Góes não afronta a liberdade de imprensa. “É assegurado ao jornalista emitir opinião e formular críticas, mesmo que severas, irônicas ou impiedosas, contra qualquer pessoa ou autoridade, mas tal direito é, como já dito, limitado pelo direito fundamental à intimidade da pessoa que é alvo das críticas”, explica.

“Do texto escrito e tido por fictício pelo acusado, visualiza-se a extrapolação da liberdade de manifestação, já que ofende a honra de terceiro. Ao veicular e induzir que o Desembargador seria um “jagunço das leis”, deu a entender que ele estaria a serviço do Governador do Estado, botando em credibilidade não só o exercício funcional da vítima, mas descredibilizando todo o Poder Judiciário”, complementou Portela.

Para o juiz, o excesso praticado pelo jornalista que se utilizou de meio de ampla divulgação, um site popular em Sergipe, ofendeu a honra e a imagem do desembargador, configurando o crime de injúria.

Legitimidade da ação 

O advogado Rodrigo Machado, que defendeu o jornalista Cristian Góes, afirmou que irá recorrer da decisão e classificou a sentença como absurda. Para ele, o fato do juiz que proferiu a decisão não ter participado em nenhum momento do processo, tira a legitimadade da condenação.

Todo o processo foi presidido pela juíza Brígida Declerc, do Juizado Especial Criminal em Aracaju, mas a sentença foi proferida pelo juiz substituto Luiz Eduardo Araújo Portela. “Causa espanto essa manobra.  A vítima é um desembargador e a situação como ocorreu supera meros indícios de parcialidade”, diz. O defensor afirma ainda que irá investigar as razões para a troca de juiz para pedir uma posição na área correicional.

“Sem sabermos o motivo, vem um juiz substituto para sentenciar nesse caso”, complementa. O processo foi presidido pela juíza Brígida Declerc, do Juizado Especial Criminal em Aracaju, que fez toda a instrução processual. No entanto, a sentença foi proferida pelo juiz substituto Luiz Eduardo Araújo Portela.

Clique aqui para ler a decisão.

Fonte: Conjur

Nenhum comentário:

Postar um comentário